A revolucionária semana de 20 horas: será que dá?
Trabalhar quatro horas por dia, ter tempo para a família, para projetos pessoais, lazer... parece um sonho. Pode até ser possível, mas há muito mais em jogo: empresas, produtividade e o paí
Imagine trabalhar 20 horas por semana — metade do que se trabalha hoje, ou menos, considerando a jornada de 44 horas da CLT. É quatro horas de trabalho de segunda a sexta, ou dois dias e meio, descansando a partir de… quarta-feira à tarde! Imaginou?
Um artigo de opinião da consultoria internacional McKinsey aborda brevemente a redução radical da jornada de trabalho, argumentando que uma jornada de 20 horas semanais poderia ser a solução, por exemplo para jovens que equilibram emprego e projetos pessoais e para aposentados que desejam continuar ativos, sem abrir mão da qualidade de vida.
Eu poderia acrescentar: famílias com filhos pequenos, quando ambos os pais trabalham fora, podem se beneficiar enormemente com jornadas menores e flexíveis, ampliando o tempo de qualidade com os filhos e reduzindo drasticamente o custo — financeiro, de desgaste, emocional — de uma rede de apoio paga, isto é, babás e creches.
Um dos argumentos da McKinsey é de que a pandemia teria transformado a relação entre empregador e empregado. Os trabalhadores conquistaram maior independência, e a flexibilidade se tornou quase ubíqua. Com isso, surgem novas demandas por modelos de trabalho que respeitem as necessidades das pessoas, orientadas a entregas e não a cumprir horário e bater cartão, ao mesmo tempo em que promovem o crescimento das empresas.
Até o governo brasileiro (para o qual não faltam críticas sobre ineficiência) mudou de perspectiva com o impacto do caos sanitário de 2020 e adotou o trabalho remoto como alternativa não apenas viável, mas amplamente adotada. Como servidor federal, posso testemunhar: isto era impensável cinco anos atrás, quando “teletrabalho” era exceção excepcionalíssima e quase sempre na administração indireta (autarquias e fundações).
O fato é que a maioria das empresas ainda segue o padrão de 40 (ou 44) horas semanais, mas esse modelo foi estabelecido no Brasil há 81 anos e pode não mais refletir o contexto atual. Não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, a jornada de oito horas diárias com um dia de descanso semanal foi o resultado de décadas de embate laboral (muitas vezes violento) para que as pessoas — não raramente adoentados, mulheres grávidas e crianças — não fossem obrigadas a trabalhar 10, 12 ou até 18 horas por dia dentro de uma fábrica.
Ora, uma fábrica mede produtividade fundamentalmente pela quantidade de horas com as máquinas e seus operários estão produzindo. Faz sentido medir trabalho contando horas.
No entanto, nos dias de hoje, com tecnologias computacionais, trabalho “de escritório” ou criativo, comunicação instantânea, aprendizado de máquina e tantas outras tecnologias inimagináveis há oito décadas, faz sentido transplantar a lógica fabril do trabalho sem questionar?
É razoável pensar que a pandemia foi um empurrão para refletirmos nosso trabalho realizado com tecnologias e entregas do século XXI, porém com a lógica do século XIX.
Todavia, mais do que sonhar com o tempo livre, “inútil” e saudável do trabalhador, ou preocupar-se com a produção e sustentabilidade financeira das empresas, a redução de jornada de trabalho toca no ponto nevrálgico da produtividade de um país.
A produtividade é quanto conseguimos produzir com o tanto de trabalho que realizamos. Em outras palavras, qual o montante Produto Interno Bruto (PIB), isto é, a soma de todos os bens e serviços produzidos no país durante um ano, conseguimos produzir com o nosso trabalho.
E, vamos ser sinceros: a produtividade do trabalho do Brasil não aumentou praticamente NADA nos últimos 20 anos, segundo levantamentos detalhados realizados com frequência pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Nosso crescimento do PIB deveu-se muito mais pela “entrada de trabalhadores no mercado”, isto é, nasceram mais pessoas que ficaram adultas e começaram a trabalhar.
O aumento da produtividade é um elemento fundamental para o crescimento do PIB a longo prazo.
A forma mais comum de se medir a produtividade agregada é dividir o PIB pelo total de horas trabalhadas contabilizadas no país (para um cálculo super técnico e bem mais complicado, mas na mesma lógica, veja a nota do Banco Central sobre cálculo de produtividade).
Só que não há consenso mundial de como se medir produtividade, embora vejamos claramente o resultado da baixa produtividade. O Brasil, com sua produtividade relativamente pífia, não consegue produzir o tanto quanto poderia e se arrasta em indicadores socioeconômicos nada bons: baixo PIB per capita, alta desigualdade, baixa média salarial…
Vejamos como nossa sonhada jornada laboral mais leve afeta tantas questões. Não se esgota na qualidade de vida e na felicidade das famílias, no ócio criativo e no lazer, mas vai além e envolve a economia do país inteiro.
Equilibrar qualidade de vida, produtividade, crescimento econômico e dedicação de tempo às famílias talvez seja algo que nunca conseguiremos calcular, a não ser que venha a ser tentado na prática.